O Dilema da IA na Música: Transparência, Autenticidade e o Futuro da Indústria

A Inteligência Artificial (IA) não é mais uma promessa distante, mas uma realidade palpável que está redefinindo os parâmetros da indústria musical.
Uma recente pesquisa da Deezer, em colaboração com a Ipsos, revelou um dado surpreendente: 97% das pessoas não conseguem distinguir músicas geradas por IA daquelas criadas por humanos. A pesquisa foi conduzida online entre 6 e 10 de outubro com residentes dos Estados Unidos, Canadá, Brasil, Reino Unido, França, Países Baixos, Alemanha e Japão.
Este número, que gera desconforto em mais da metade dos ouvintes, expõe a urgência de um debate sobre autenticidade, transparência e justiça para os artistas.
Diariamente, a Deezer reporta o upload de cerca de 50 mil faixas totalmente geradas por IA, o que representa impressionantes 34% de todas as entregas na plataforma. Este volume massivo não só sobrecarrega os serviços de streaming, mas também levanta preocupações cruciais sobre a diluição da criatividade humana e a remuneração dos artistas.
Casos de Sucesso e Controvérsia de Músicas com IA
Como o jornal britânico The Guardian apontou, essa enxurrada de conteúdo de IA desafia a própria definição de “música real” e a integridade de métricas da indústria, como as paradas da Billboard.
Recentemente, três músicas geradas por inteligência artificial não só tocaram, mas bombaram, chegando ao topo de paradas importantes no Spotify e na Billboard. A banda Breaking Rust, com “Walk My Walk” e “Livin’ on Borrowed Time”, conquistou o “Viral 50” do Spotify nos EUA. E não foi só por lá: uma canção holandesa, “We Say No, No, No to an Asylum Center”, do JW “Broken Veteran”, um hino anti-migrantes, alcançou o topo da versão global da mesma parada.
“Walk My Walk” ainda teve uma sacada interessante em sua letra: “You can kick rocks if you don’t like how I talk”, uma indireta esperta para quem torce o nariz para a música feita por IA. O mais intrigante é que a música holandesa e outras do “Broken Veteran” sumiram do Spotify e YouTube dias depois. A plataforma disse que não removeu, mas sim os detentores dos direitos autorais – e o próprio “Veteran” ficou sem entender, prometendo investigar. Ele, que se recusou a revelar sua identidade real, vê a IA como uma ferramenta de democratização da música, “particularmente valiosa para pessoas como eu que têm algo a dizer, mas não possuem treinamento musical tradicional“.
“Walk My Walk” também liderou por três semanas no chart “Country Digital Song Sales” da Billboard, mostrando que o alcance não é brincadeira.
A Percepção do Público e a Demanda por Transparência
Apesar da curiosidade natural pela inovação – especialmente no Brasil, onde 76% dos entrevistados demonstram alto interesse pela IA na música e 42% usam a tecnologia frequentemente – a maioria dos ouvintes tem uma posição clara: a música de IA deve ser identificada. 80% concordam que faixas 100% geradas por IA precisam ser rotuladas, e muitos gostariam de ter a opção de filtrá-las completamente.
Facilidade de Distribuição, Ética e Direitos Autorais
A qualidade é um fator, mas a facilidade de distribuição é outro game changer. Blogs especializados em criação de conteúdo por IA, como o Jack Righteous, já ensinam como gerar “streams de renda passiva” usando serviços como a DistroKid. Essa plataforma, que envia royalties para criadores de música (humanos ou não) a cada stream no YouTube, Spotify ou TikTok, é vista como “mais leniente” em suas políticas sobre conteúdo gerado por IA. Vários dos sucessos do Breaking Rust, por exemplo, parecem ter sido distribuídos por lá.
É um ecossistema que permite a qualquer um, “de seu quarto”, subir uma música para as maiores plataformas sem precisar de uma gravadora tradicional. É a democratização, sim, mas com um preço. Newton-Rex, CEO da Fairly Trained empresa de IA generativa, aponta que essa nova concorrência é “hiperescalável” e, mais do que isso, “foi construída pela exploração”. A questão da remuneração e dos direitos autorais para artistas humanos, diante desse cenário, se torna um campo minado.
Há um consenso crescente de que o uso de material protegido por direitos autorais para treinar modelos de IA, sem a devida aprovação e compensação, é antiético e uma ameaça à subsistência de músicos e compositores.
O Caminho para o Futuro: Transparência e Valorização Humana
Empresas como a Deezer, que já adotam a rotulagem de conteúdo de IA, estão na vanguarda dessa batalha por transparência. Contudo, o desafio se estende por toda a cadeia do music business. Plataformas como o Spotify e as próprias paradas musicais precisam encontrar formas eficazes de lidar com essa nova realidade, garantindo que a inovação não custe a alma da música e a valorização de quem a cria.
O futuro da música dependerá da nossa capacidade de equilibrar o avanço tecnológico com a proteção da arte e dos artistas. A IA é uma ferramenta poderosa, mas a voz humana e a criatividade autêntica devem continuar sendo o cerne da indústria. O dilema é complexo, mas a solução passa, invariavelmente, por mais clareza, mais ética e, acima de tudo, mais respeito pelo valor da criação humana.
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Nina Shimazumi
O Dilema da IA na Música: Transparência, Autenticidade e o Futuro da Indústria

LR
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