A cantora afro-britânica Estelle lançou no fim de maio seu sexto álbum de estúdio, Stay Alta. Em entrevista exclusiva ao TMDQA!, ela falou sobre o momento de criação, o simbolismo das colaborações, suas raízes da diáspora e como lida com os desafios em se manter relevante em uma indústria que muitas vezes exige que artistas viralizem para existir.
Estelle também revelou que a passagem do produtor Keith Harris pelo Brasil influenciou diretamente a criação da faixa-título.
A essa altura, quase todo mundo já cantou algum trecho de “American Boy”. Lançada em 2008, a música virou um marco da virada de Estelle para o mainstream e rendeu a ela um Grammy ao lado de Kanye West. Mas, ao conversar com ela, fica claro que a história que mais interessa é a que ainda está sendo contada.
“Este álbum foi escrito com a intenção de não permitir que nada interrompa permanentemente minha alegria.”, disse.
Aos 45 anos, Estelle Fanta Swaray está menos preocupada com os hits do passado e mais focada no tipo de impacto que quer causar daqui pra frente como artista, como mulher preta e como parte de uma diáspora.
A conversa, que deveria durar 20 minutos, se estendeu por 40 e teve o clima de um reencontro entre velhas conhecidas com direito a muitas risadas. O mais recente trabalho, que não tenta se encaixar em nenhuma tendência, é uma espécie de viagem no tempo que mistura soul, disco e pop. E reforça suas referências musicais, como Jamiroquai, Soul II Soul, Roberta Flack, N’dea Davenport, Beverley Knight, Mica Paris e Sylvester, além de samplear “If I Can’t Have You”, dos Bee Gees, faixa que ficou famosa na voz de Yvonne Elliman, na sétima faixa “Fire”, parceria com JOI. “Essas eram as músicas que tocavam em casa. A existência desses artistas é a razão de eu estar aqui”, conta.
A produção atemporal resgata a energia das pistas dos anos 70, que dá vontade de dançar, mas com a linguagem, os beats e as possibilidades tecnológicas de hoje. Ao ser questionada se acredita que suas novas músicas também resistirão ao tempo, como “American Boy”, Estelle respondeu com confiança:
“Tom Jobim teve ‘Garota de Ipanema’ como seu maior sucesso, mas deixou muitos outros clássicos que as pessoas pedem para tocar. Vejo da mesma forma. Você tem um hit que te apresenta ao mundo, mas há músicas que as pessoas redescobrem. E Stay Alta, pra mim, tem pelo menos dez dessas.”
Produzido em colaboração com Keith Harris, veterano da música e responsável por sucessos de nomes como Black Eyed Peas, Madonna, Usher e Rihanna, Stay Alta reúne 12 faixas assinadas por ele e Estelle, parceiros de longa data. A faixa-título, uma das favoritas da cantora, nasceu durante uma passagem de Harris pelo Brasil. O som, inspirado pelos bailes funk, gerou um reconhecimento imediato de identidade. “O fato de ele entender que eu ia reconhecer o Baile Funk… isso é diferente”, disse.
“O mundo não gira só em torno da versão eurocêntrica do pop. A gente criou isso. Nós, pessoas pretas e pardas, fizemos essa música. Quis incluir isso porque somos primos, sabe? É disso que a música se trata. Juntar os sabores do mundo e voltar pra raiz, pro centro de onde viemos.”
Ser feliz é um ato político
Sem bola de cristal, Estelle mal sabia o que estava por vir quando começou a compor as músicas do disco, mas ele nasce em tempos marcados por incertezas globais, crises diplomáticas e um certo desânimo coletivo, o que faz Stay Alta se transformar em uma espécie de mantra. “Você sai de casa com toda a intenção de ser feliz e aí cinco coisas tentam dizer que vai ser um dia de m*rda”, disse, rindo.
“Aí eu percebi: eu não preciso ouvir essas cinco coisas. Stay Alta é sobre lembrar quem você é, se elevar acima do barulho e escolher a alegria, mesmo quando isso é difícil. Eu não fazia ideia do que estava por vir no mundo. Só sabia que havia uma mensagem urgente. Aqui estão algumas coisas que podem te ajudar a passar por isso, e isso precisava estar neste álbum.”
Ela chegou a pensar que Lovers Rock, lançado sete anos antes, seria seu último trabalho. Mas as músicas continuaram vindo, como se algo maior dissesse que ela ainda tinha o que dizer. A criação do disco também foi um processo de cura, no qual se reconectou com o poder que carrega desde o nascimento: o de ser luz, e ajudar outras pessoas a enxergarem a própria.
Ancestralidade em cada nota
“Roses (Now’s the Time)”, foi escolhida como faixa de trabalho e, não por acaso, carrega um significado pessoal sobre cura, ancestralidade e do legado que permite que artistas como Estelle existam. “Roses é repleta de homenagem aos ancestrais e àqueles que me permitiram sonhar tão grande, e ter essa carreira. É uma homenagem à minha avó. Eu nunca entendi por que gostava tanto de rosas brancas quando era criança, depois descobri que eram as flores favoritas dela.”, contou.
A música foi escrita antes dessa descoberta e, para Estelle, que também tem o mesmo nome da avó, simboliza como “os ancestrais estão sempre por perto e mostram quem você é”. A letra diz: “Eu tive que deixar de lado a dor, deixar as coisas com as quais nasci. […] Eu vou espalhar essas rosas bem onde você notar. Para que você também possa ter rosas.” A base eletrônica revela, aos poucos, camadas profundas, incluindo a pulsação de um djembe, tambor da África Ocidental que ecoa também nos ritmos afro-brasileiros. Quando perguntei se ela sente essa conexão, ela não hesitou:
“Com certeza. Isso é a diáspora. Minha mãe é da África Ocidental. Meu pai é de Granada e Trinidad. Eu sou uma garota britânica… bom, espera. Eu sou uma mulher africana, ok? Onde quer que eu vá, eu vejo negritude. Eu vejo a influência. Eu vejo a diáspora.”
Colaborações com alma
Entre as participações do disco, ninguém está ali por algoritmo ou conveniência. Estelle escolheu cada voz por afinidade espiritual. Em “Grateful”, divide os vocais com Teedra Moses; em “New Direction”, minha favorita, junta-se ao rapper LaRussell, que ganhou visibilidade ao cantar com a mãe no NPR Tiny Desk, e ao trompetista Keyon Harrold, vencedor de Grammy. “Ouvi as músicas e esperei o nome certo surgir na minha cabeça”, explicou. “Eu queria deixar que elas respirassem, para então encontrar quem realmente pertencia a elas.”
‘Não quero mostrar minha pasta de dente’
Em tempos em que a lógica do viral parece condição para a existência artística, Estelle reflete sobre como sua trajetória se construiu fora do imediatismo das redes. “Sou grata por não ter começado numa era assim, porque posso lançar um álbum sem precisar mostrar qual pasta de dente eu usei essa semana para que se interessem. Eu já tenho um legado”, disse com bom humor.
Para ela, o viral da sua época era estar em todas as capas de revista, ter o clipe em todos os canais de música, até mesmo quando o som não se encaixava na proposta do canal. Hoje, em vez de criar um plano de exposição digital, Estelle escolhe construir comunidade, cultivando vínculos reais com seus ouvintes. Um exemplo disso foi quando, antes de definir quais músicas lançaria na divulgação do álbum (“Oh I,” “Fire” feat. JOI, “Love On Love” feat. D-Nice e “New Direction”), ela fez uma live para perguntar aos fãs quais gostariam de ouvir primeiro, e isso influenciou diretamente a ordem dos singles. Embora reconheça o valor das redes sociais como ferramenta de troca, ela reforça que sua arte não depende de performance constante.
Brasil nos planos
Ainda sem data confirmada, a cantora se mostrou animada ao falar sobre voltar ao Brasil, país com o qual tem uma conexão antiga, além de amar a nossa comida e mencionar Gilberto Gil! Por volta de 2004, antes de estourar mundialmente, ela esteve no Rio de Janeiro levando computadores a duas comunidades através de uma ONG, e já tem planos para a próxima viagem.
“Quero muito visitar São Paulo, Salvador, Bahia… fazer uma mini turnê pelos lugares que ainda não conheci. Sempre me mandavam para o Rio, que é lindo, mas quero ver mais do Brasil. Tenho tanto amor, respeito e gratidão pelo povo brasileiro. O Brasil me deu muito, musicalmente e até em termos de descanso físico. Já passei um Ano Novo aí em silêncio, sem ninguém saber que eu estava, e agradeci muito por aquele espaço e aquele tempo.”
Superpoder genético
Para Estelle, seu superpoder nasce da vivência negra, marcada por silêncios que muitas vezes foram necessários para proteger. “Qualquer família preta ou parda te diria: o que acontece nessa casa, fica nessa casa”, relembra o que ouvia da mãe na infância e que a marcou quando começou a compor. “Meus processos, o que vivi, me mover, estar sozinha, entrar na vida real, ter que me afirmar como mulher neste mundo não é pouca coisa. No começo, foi assustador. Agora, eu olho para tudo isso e penso: ah, isso é um superpoder. Algumas coisas são simplesmente genéticas. Elas são o que são, você é quem você é por causa dos seus genes.”
Sua carreira começou com The 18th Day (2004) e ganhou projeção internacional com Shine (2008), que trouxe o hit “American Boy”. Depois vieram All of Me (2012), True Romance (2015), Lovers Rock (2018), um tributo às sonoridades de reggae que marcaram sua infância, e agora Stay Alta (2025). Entre um disco e outro, ela fundou seu próprio selo, virou apresentadora de rádio na Apple Music, atuou em séries e consolidou sua trajetória como uma artista multifacetada.
Para Estelle, nós aprendemos por repetição. Quando se ouve “só permaneça grato” em “Grateful”, ou “amor sobre amor” em “Love on Love”, é uma forma de se lembrar de bons motivos para sentir gratidão: estar vivo, ter saúde, amar, ser amado e ter limites. “Sabe, é como se eu começasse a cantar minhas músicas para mim mesma, para me lembrar de que ainda não acabou. Eu tenho fôlego. Eu tenho opções. Tudo encontrará seu caminho. Se uma música consegue mudar meu humor, talvez ela consiga fazer isso por mais alguém.”
É um pensamento simples, mas que explica muito sobre o que ela faz e por que sua arte permanece relevante. Não apenas pela batida, mas pela intenção que carrega. Stay Alta talvez seja seu disco mais íntimo, mesmo sem soar confessional. Ele não conta exatamente o que aconteceu, mas revela como ela escolheu reagir. E, nesse gesto, nos convida a fazer o mesmo.
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Liz Sacramento
EXCLUSIVO: Dona do hit “American Boy”, Estelle conversa com o TMDQA! sobre seu novo álbum
LR
EXCLUSIVO: Dona do hit “American Boy”, Estelle conversa com o TMDQA! sobre seu novo álbum